sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Velho do Restelo


No canto IV, estâncias 94 a 104, de Os Lusíadas, quando a frota do Gama se prepara para partir, de entre a população que comparece na praia para chorar a partida dos navegadores, individualiza-se a figura de um Velho, de "aspeito venerando", "meneando / Três vezes a cabeça, descontente", "Cum saber de experiência feito". Apresentando uma opinião adversa ao projeto expansionista, acusa a "glória de mandar", a "vã cobiça" que, sob a designação de Fama, move o povo, desmontando o heroísmo sobre que assenta a gesta lusitana. Numa perspetiva pessimista, enumera as consequências desse engano, nomeadamente o desamparo e inquietação em que deixam familiares e o "desprezo da vida" que os faz ir ao encontro de desastres, perigos e morte. Ao mesmo tempo, o Velho do Restelo voz às camadas do poder que teriam preferido a continuação de uma política de conquista e cruzada no Norte de África, para o que apresentam os argumentos de defesa da cristã e de reforço da segurança nacional, que a expansão por mar deixa criar "às portas o inimigo", provocando o despovoamento e enfraquecimento do reino.



Deste modo, o Velho do Restelo representa a voz da razão num momento de euforia e deslumbramento, a voz da experiência perante a irreverência. Em certa parte, os seus conselhos acabaram por se revelar proféticos, pois a prosperidade das Descobertas cedo se revelou fugaz, seguindo-se a decadência económica e territorial. Além disso, as contrapartidas da Expansão eram óbvias: jovens viúvas esperaram eternamente pelos maridos, a sociedade portuguesa tornou-se ociosa e cega pela ganância.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Agora é tarde, Inês é morta!


         
Inês de Castro (1320-1355), prima do Infante D. Pedro (1320-1367), depois Pedro I, rei de Portugal, era dama de companhia de Constança, esposa do príncipe. Um dia, quando este a viu, ficou tão atraído por sua beleza que acabou se amasiando com ela, mas o rei Afonso IV, pai de Pedro, insatisfeito com aquela situação, mandou que a recolhessem a um castelo na fronteira com a Espanha, onde a dama continuou a receber notícias do amante. Em 1345 Constança morreu, e então o príncipe, contra as ordens do pai, chamou Inês de volta e a instalou em sua casa, onde viveram maritalmente e tiveram quatro filhos.

Mas o rei Afonso conhecia a ambição dos parentes de Inês, e por isso começou a alarmar-se com o crescente poderio da família Castro. Esse fato, mais as intrigas que fervilhavam em todo o reino, fizeram o rei decidir matar Inês e seus filhos, entregando a Álvaro Gonçalves, Pêro Coelho e Diogo Lopes Pacheco, seus conselheiros, a responsabilidade pela execução. Ao tomar conhecimento do crime o príncipe reuniu seus homens e foi atrás dos assassinos, mas sua mãe o fez assinar com o pai um tratado de aliança que impediu momentaneamente a execução da vingança desejada.

Com a morte de Afonso IV a ferida foi reaberta, e Pedro, coroado rei em 1357, finalmente prendeu dois dos criminosos (pois Diogo, o terceiro, fora avisado a tempo e conseguira fugir), submetendo-os a suplícios de extrema crueldade. Por outro lado, a reabilitação de Inês de Castro revestiu-se de uma imponência nunca vista, já que seus restos mortais foram levados para o mosteiro de Alcobaça entre alas de servos empunhando grandes velas acesas, para ocupar um dos túmulo que, com o de Pedro I, constituem duas obras primas da escultura sepulcral portuguesa da Idade Média.

Mas as lendas sobre a morte e coroação post-mortem de Inês de Castro são de origem literária, como acontece em "Os Lusíadas", de Camões, e na tragédia "Castro", de Antonio Ferreira, uma vez que sua história serviu de tema para tragédias, poesias, romances e estudos escritos em português, espanhol, francês, inglês, italiano e holadês. A expressão “agora é tarde, Inês é morta”, hoje em aplicada nos casos em que a solução do problema só aparece quando o desenlace já aconteceu, tem muito a ver com a frase célebre de Camões ao se referir a Inês de Castro: “a que depois de morta foi rainha”.
 
 
Canto III de Os Lusíadas
 
"Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso,
Crendo co sangue só da morte indina
Matar do firme amor o fogo aceso.
Que furor consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor Mauro, fosse alevantada
Contra hua fraca dama delicada?"
 
 

domingo, 16 de setembro de 2012

Biografia de Dom Sebastião (Rei de Portugal)

Sebastião, D. (1554 - 78) Rei de Portugal, cognominado O Desejado, nasceu em Lisboa, póstumo do príncipe D. João (1535-73). É uma das figuras míticas da nossa História. O seu nascimento e sobrevivência foram recebidos com entusiasmo, pois à data já eram falecidos todos os filhos do avô reinante, D. João III, pelo que a falta de um sucessor directo provocava as mais fortes inquietações, apesar de ainda serem vivos vários descendentes portugueses do seu bisavô, o rei D. Manuel I (o cardeal-infante D. Henrique, a infanta D. Maria, os filhos do infante D. Fernando - o Senhor D. Duarte, as Senhoras D. Maria, esta duquesa em Parma, e D. Catarina, esta duquesa de Bragança - e D. António, Prior do Crato, bastardo do infante D. Luís), para além de outros descendentes, por via feminina, em Espanha, Parma e Sabóia.
Morto D. João III (1557), a regência do Reino foi entregue à avó, D. Catarina de Áustria, e da
educação do jovem rei foram encarregados D. Aleixo de Menezes (tio) e o jesuíta P. Luís Gonçalves da Câmara (mestre), para além de outros professores, como Pedro Nunes (matemática) e Frei Amador Rebelo (mestre de escrita). Nesta primeira regência incentivava-se a colonização do Brasil e faz-se campanha contra os índios; o Colégio do Espírito Santo, em Évora, é transformado em Universidade; o Santo Ofício é introduzido em Goa; publicam-se pragmáticas contra o luxo no trajo, nas casas e na alimentação, etc.; em 1562 D. Catarina é substituída na regência por seu cunhado, o cardeal - infante D. Henrique, que, de imediato, instituiu o Conselho de Estado, aprovou os estatutos da Universidade de Évora e entregou aos jesuítas o controlo do Colégio das Artes na Universidade de Coimbra.

A maioridade do rei é declarada em 1568 e logo se instala uma separação
entre o regime anterior e o novo, afastando-se o monarca dos antigos regentes. A acentuada degradação da situação económica do país (fragilização da agricultura, com falta de mão-de-obra, inexistência de indústrias, concorrência e pressão das emergentes potências marítimas como a Holanda, a França e a Inglaterra, degradação da situação militar no Oriente e fragilização da segurança nos mares) impunham novas medidas. O país, porém, estava carenciado de um sólido corpo de funcionários régios, administradores e capitães, como o que notabilizara as primeiras décadas do século.
D. Sebastião, depois de em 1574 ter estado em Ceuta e Tânger, e apesar de forte resistência que encontrou à sua volta, optou pela consolidação da presença portuguesa no Norte de África, sem ter tido consciência da nova dinâmica marroquina, do poder do Islão na zona, e da degradação extrema das possibilidades do Reino. Decidido à intervenção, imediata, com o argumento de solucionar uma querela dinástica marroquina, o exército que arregimentou, onde avultavam mercenários e voluntários alemães, italianos e espanhóis, não oferecia garantias de qualquer êxito e a oposição de parte da nobreza assim o indicava.

Em Agosto de 1578, sob um sol escaldante, e confiando no seu destino, foi derrotado e desapareceu em Alcácer Quibir, deixando no campo de batalha milhares de mortos e cativos. O seu desaparecimento, a falta de sucessão directa, a angústia e a carga emotiva do momento, as histórias desencontradas, a devastação sofrida no exército, criavam à volta do rei desaparecido, mas que alguns afirmaram ter visto morto, uma lenda que o tempo se encarregaria de avolumar, fazendo-o entrar no imaginário popular não apenas em Portugal, mas também em Marrocos e no Brasil.
A falta de D. Sebastião complicou extraordinariamente o problema da independência nacional, pois o breve reinado do cardeal D. Henrique mais não foi do que um interregno que proporcionou a Filipe II de Espanha a organização das campanhas militar, diplomática e corruptora, que exerceu exemplarmente por forma a garantir-lhe a sucessão no trono do seu tio, o cardeal, de seu sobrinho, D. Sebastião, e de seu avô, D. Manuel I.

O mito sebástico ganhou, a partir daí, uma força marcante, provocando o aparecimento de aventureiros, um dos quais nem português falava, e de profetas anunciando o regresso do rei salvador das desgraças do país. Ainda em inícios do século XIX, existia a seita dos sebastianistas. O jovem rei entrou no imaginário popular como o herói intemporal e imortal, alimentando em cada esquina da História o sonho do retorno da grandeza e prosperidade que teimava em não regressar, e que, em verdade, bem discutível fora. Viram o Desejado em várias personalidades, em especial depois do advento das teorias liberais, em D. Miguel, Sidónio Pais, e até em Salazar, e, mais recentemente, depois do 25 de Abril, em diversos políticos que fugazmente se volatizaram, protagonistas históricos cujo estilo de governo se caracterizava quer pelo magnetismo carismático, muitas vezes pela impulsividade, ou apenas por momentâneas circunstâncias. Entre tantos outros o P. António Vieira, Bocarro, Teixeira de Pascoaes e Sampaio Bruno exprimiram, de modo diverso, o significado fundamental da lenda sebastianista, que assenta na crença profunda de uma missão de Portugal no mundo, bem como na necessidade, sempre adiada, do reencontro dos portugueses com os seus dirigentes, ou mesmo consigo próprios.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Partícula “se”

A partícula “se” exerce diversas funções na Língua Portuguesa. Por isso devemos ter alguns cuidados ao analisar a partícula SE.

a) Indeterminação do sujeito – verbo transitivo indireto, quando o verbo está na 3ª pessoa do singular + partícula SE:

(vem acompanhando um verbo transitivo indireto, um verbo intransitivo (sem sujeito claro), um verbo de ligação ou um transitivo direto, em casos de objeto direto preposicionado. Serve para indicar que o Sujeito da oração é indeterminado. A voz é ativa. Neste caso, caso seja feita a tentativa, não é possível pôr a oração na voz passiva analítica.)

- Precisa-se de empregada.
- Necessita-se de companhia.



b) Partícula apassivadora – a oração se encontra na voz passiva sintética, pois usa verbo transitivo direto e verbo na 3ª pessoa do singular ou do plural + partícula SE, deve concordar com o sujeito passivo:

(acompanha verbo transitivo direto e serve para indicar que a frase está na voz passiva sintética. Para comprovar, pode-se colocar a frase na voz passiva analítica, como está feito abaixo.)

- Vende-se laranjinha. / Vendem-se laranjinhas.
- Aluga-se casa. / Alugam-se casas.



c) Pronome reflexivo – quando a partícula reflete o sujeito:
Partícula expletiva ou partícula de realce: virá acompanhando um verbo intransitivo.
Parte integrante do verbo: o pronome faz parte de um verbo pronominal.

- Pedro questionou-se sobre sua postura.
- Joana pintou-se para o carnaval.
Exemplos literários:
“O mancebo sentou-se na rede principal…” (José de Alencar) – pronome reflexivo.
“… mas alegrava-se quando…” (José de Alencar) – índice de indeterminação do sujeito.
“… abriu-se nesse dia uma garrafa de vinho do Porto…” (Aluízio de Azevedo) – partícula apassivadora.
“… reproduziam-se os quartos e o número de moradores…” (Aluízio de Azevedo) – partícula apassivadora.
“… contentou-se com uma simples separação de leitos…” (Aluízio de Azevedo) – índice de indeterminação do sujeito.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Vale a pena!

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Apoio estratégico

Quando na década de 80 o então presidente José Sarney lançou o Plano Cruzado, que tinha o fim de combater a inflação e estabilizar a economia, um cidadão de Curitiba, à pergunta se a situação tinha melhorado, vacilou, tremeu os lábios, gaguejou um pouco e disse, por fim: "está piorando menos".


É o que está ocorrendo com nosso ensino. Ainda é ruim em muitos níveis e áreas? É. Mas está piorando menos. Há vários indicadores dessas melhoras e uma delas é que agora temos uma universidade, a USP, entre as 70 mais importantes do mundo. É pouco ter uma única universidade brasileira entre as cem mais? É. Mas está piorando menos.


Ainda temos sérias deficiências, apesar de passos decisivos dados nas direções corretas, tanto no setor público como no privado. Boa parte dos médicos mais qualificados dos hospitais referenciais do Brasil estudou em escolas públicas, o mesmo acontecendo nos concursos para ocupação de carreiras de Estado e postos gerenciais nas empresas. 


Nessas mudanças, o ensino da disciplina língua portuguesa cumpre função estratégica. Os professores de quaisquer outras matérias alcançam mais facilmente os objetivos traçados nos projetos pedagógicos, se eles e os alunos são bons em português! 


É frequente que haja prejuízos mútuos no processo de ensino e aprendizagem quando proliferam erros constantes de ortografia e sintaxe. Na Medicina e no Direito, tais equívocos podem matar o paciente ou levar o cliente para a cadeia. A diferença entre veneno e remédio pode ser uma letra apenas. E um enfermeiro que lê mal uma instrução do médico pode matar aquele que ambos querem salvar. 


Apesar de erros ortográficos serem os mais fáceis de perceber, os prejuízos da falta de clareza e de lógica, na fala como na escrita, se não são decisivos como o são na Medicina e no Direito, são igualmente deploráveis. E por quê? Porque quem fala e escreve sem clareza dá indícios de que ouve e lê pouco, e essa deficiência é capital para muitas outras.








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Deonísio da Silva é Escritor, doutor em letras pela USP, professor e vice-reitor de Cultura e Extensão da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, membro da Academia Brasileira de Filologia.